OUVIR. Esse enorme verbo que quase todos queremos que façam por nós, que quase ninguém atenta no seu significado e que poucos usamos com verdadeiro empenho.
Hoje em dia falta ouvir. Falta prestar atenção ao que o outro diz. Falta parar (mesmo) e escutar atentamente o que a pessoa à nossa frente nos quer transmitir, contar, passar, ensinar... Ouvir sem atropelar porque não concordamos, porque nos ocorreu outra história parecida, porque julgamos e temos de o manifestar, porque nos lembramos de algo e esquecemo-nos se não contarmos imediatamente... Se estivéssemos mesmo a prestar atenção ao que está a ser dito não nos ocorriam tantos motivos para interromper. Quando nos preparamos para falar a seguir ao outro e estamos, ansiosamente, à espera que o outro respire para termos uma brecha para começarmos a falar: não estamos a ouvir uma única palavra....
Estamos apenas a atentar quando surgirá o som do silêncio, daquela pausa que vai permitir interpolar e monopolizar o discurso. Isto é deveras caricato atendendo a que todos gostamos, em maior ou menor escala, que alguém nos preste atenção e ouça o que temos a contar. Que valorize as nossas experiências, que valide o que nos aconteceu.
Estamos apenas a atentar quando surgirá o som do silêncio, daquela pausa que vai permitir interpolar e monopolizar o discurso. Isto é deveras caricato atendendo a que todos gostamos, em maior ou menor escala, que alguém nos preste atenção e ouça o que temos a contar. Que valorize as nossas experiências, que valide o que nos aconteceu.
Sabe bem sentirmo-nos cuidados, ouvidos. Saber que alguém está a usar o seu próprio tempo em nós porque sim, é das maiores declarações de amor que podemos fazer seja a quem for. Significa que nos importamos, que aquelas palavras representam algo para nós. Seja uma criança que chega da escola e quer os pais com os olhos colados às suas expectativas de vida, a ler, avidamente, cada palavra que aquele mini ser debita a uma velocidade apaixonada sem sequer o mandar abrandar ou acelerar. Ouvir com muita atenção e vontade um avô que fala do dia em que escolheu a profissão que queria ter, muitos anos lá atrás e o que isso lhe trouxe ao percurso de vida. Ouvir uma funcionária a discorrer sobre a filha traquina e o seu marido que a enlouquece (de forma boa e má) tendo como som de fundo os barulhos da máquina registadora. Todas estas e tantas outras histórias, apenas serão entediantes se nos limitarmos a ver o nosso tempo tomado por elas, sem percebermos o que querem dizer. Ao ouvir com atenção, vamos compreender tantos mais mundos além do nosso. Ver que existem mais mil e duas maneiras de tomar uma decisão e não apenas as três que julgávamos. Ao ouvir os outros aprendemos novas realidades, experiências que podemos achar que nunca nos vão ser úteis (e se calhar não... mas se calhar vão, mais à frente. Como podemos ser petulantes ao ponto de acharmos que sabemos tudo o que precisamos hoje e para sempre?). Além de enriquecermos o nosso espólio de experiências de vida (o que pode ajudar-nos a colocarmos a nossa própria vida em perspectiva) estamos a fazer outra pessoa sentir que alguém se importa verdadeiramente com ela. Não há pressa no mundo que faça sentirmo-nos ouvidos.
Escutar alguém atentamente, na minha opinião (que confesso é enviesada) é um privilégio muito egoísta. Sou também abençoada, escuto profissionalmente as vidas das pessoas. Faço-o com toda a dedicação possível. Porque me ensina muito. Porque gosto. E porque sinto que, hoje em dia, todos sentimos falta de sermos ouvidos. Daí que qualquer pessoa pode ir à padaria, demorar-se um bocadinho mais numa troca de olhares com um completo estranho e dar por si a descobrir a necessidade imensa que existe naquela pessoa de partilhar os tudos e os nadas da sua vida. Para além de conseguirmos fazer alguém sentir-se apreciado simplesmente porque ouvimos, se prestaram atenção ao que eu disse, conseguem descobrir aqui uma grande ironia. Quando não ouvimos perdemos. Quando não ouvimos perdemos momentos que nem sequer sabemos se foram importantes ou não. Se voltam ou não. Se iriam ser-nos úteis ou não.
Eu compreendo que a velocidade do dia-a-dia nem sempre nos permita termos a paciência e a dedicação que gostaríamos de ter e que esperamos do outro (!), Até porque os outros consomem muito do nosso tempo. Daí que, se tornarmos esse devorar de tempo em algo que usamos também para nós próprios, só temos a ganhar. Se ouvirmos o outro, acho que a sociedade vai sentir-se mais saciada em termos de ânsia de repetir, em busca de alguém que ouça. Podemos contribuir para pessoas mais centradas e interessantes. Podemos aprender como fazer certas coisa. Ou como não as fazer! Acima de tudo, darmo-nos aos outros faz com que tenhamos mais possibilidade de recebermos mais. Eu gosto disto. E vocês?
Neste espírito, fica a sugestão para um projecto muito interessante:
Aqui, temos imagens e histórias curtas de pessoas aleatórias na rua. Se descobrirmos o outro tem tanto sucesso na Internet, porque não experimentar ao vivo? É certo que podemos dar com um chato de primeira e não aprender nada... Mas também podemos dar com a pessoa mais interessante do planeta. Vale a pena descobrir. Há imensos projectos semelhantes, para inúmeras cidades mundiais. Ficam aqui mais dois, perto de casa:
E porque desde pequenina adoro receber cartas, não resisto a partilhar outro projecto. É uma delícia e corrobora esta teoria de que "atenção procura-se":
E por hoje é tudo. Vou ali ouvir umas histórias e volto já.
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